Prossigo aqui a análise sobre Baldur's Gate: Enhanced Edtion (BGEE) para iPad. Quem se interessar em ler a primeira parte, que faz uma breve introdução ao jogo, pode clicar aqui.
Quando BGEE foi finalmente lançado, após meses e meses de ansiosa espera, o resultado não foi exatamente o esperado. A maior parte das resenhas sobre a versão PC foi morna, na melhor das hipóteses. E não sem razão. O fato é que BGEE para PC pouco acrescentou ao que existia antes. Muitos dos seus avanços já haviam sido implementados no jogo original através de MODs, criados por fãs talentosos e dedicados. Inclusive a correção da maioria dos bugs até então identificados. O conteúdo extra acrescentado pela Overhaul Games poderia fazer alguma diferença, mas também está longe de ser essencial e é facilmente eclipsado por outros tantos MODs com novas missões e personagens.
Os sonhos do seu personagem não são exatamente agradáveis...
Para ser justo, a culpa não é totalmente da desenvolvedora. Ainda que os planos da Overhaul Games para um remake HD da série fossem modestos, eles existiam. Foram, todavia, frustrados por um obstáculo que ninguém de bom senso poderia imaginar.
Fireball é uma das magias mais destrutivas. Cuidado p/ não acertar seus amigos também.
Um dos novos personagens introduzidos por BGEE.
Para resolver isso, o plano da Overhaul era simples: fazer uma nova amostragem dos cenários, avatares e objetos em resoluções compatíveis com os dispositivos atuais. A desenvolvedora entrou então em contato com a Bioware para solicitar os arquivos gráficos originais. Mas, após longas buscas pelos servidores da empresa e pelas mídias de backup, os arquivos não foram encontrados. Em algum momento do passado, o backup se perdera. Tragédia.
Refazer toda a arte original não era uma opção para a Overhaul, dado o orçamento limitado do projeto. Restou então uma única opção: empregar técnicas tradicionais de upscaling sobre os arquivos gráficos do próprio jogo, capturados em resolução inferior, mas disponíveis para qualquer um. O uso de upscaling não é algo novo. Jogos de PS3 e Xbox 360, por exemplo, fazem isso direto, pois não possuem poder computacional para gerar gráficos em 1080p em jogos mais complexos. Como vimos, monitores e televisões fazem isso também, automaticamente. Outro bom exemplo são os aparelhos de bluray, que convertem as imagens de DVD para Full HD.
Ora, se o próprio monitor do usuário já faz o upscaling automaticamente, por que o público deveria se importar em comprar o BGEE? Bem, como vimos, o fato é que o upscaling do monitor não é lá essas coisas, resultando em um gráfico extremamente borrado. A Overhaul testou diferentes algoritmos e chegou a um resultado bem superior, ainda que longe da perfeição. E a interface do jogo foi refeita em HD, melhorando o visual geral. Ainda assim, o resultado final decepciona.
Mas se BGEE não oferece grandes avanços, existe afinal alguma razão para comprá-lo? A maior parte da imprensa especializada (resenhas da versão para PC, saliento) conclui que não, não vale a pena, ainda mais com original sendo vendido no GOG por um preço bem mais em conta (na época do lançamento de BGEE). Mas esta é uma decisão que depende muito do perfil do usuário. Instalar MODs no jogo antigo e fazer as configurações necessárias exige uma certa paciência e conhecimento, e a maioria dos jogadores não possui nem uma coisa, nem outra. Com o BGEE, é só instalar e sair jogando. Há também algum novo conteúdo disponibilizado, na forma de personagens e aventuras inéditas. Até mesmo romances, um recurso que só foi aparecer na continuação. Esse conteúdo pode ser um atrativo extra para alguns veteranos. Também foram atualizadas algumas imagens e cutscenes, mas não é nada realmente de maior importância. Da minha parte, todavia, existe uma EXCELENTE razão para adquirir a nova versão, pois o BGEE realiza um velho sonho meu: um port para tablets. Para mim, as vantagens dessa nova plataforma compensaram cada centavo investido.
Algo de sinistro ocorreu aqui...
A segunda grande vantagem são justamente os visuais, tão criticados acima. A tela relativamente pequena dos tablets, eu imaginava, reduziria o visual pixelado destes jogos antigos, assim como o borramento provocado por upscaling. Não me decepcionei. Os gráficos já obsoletos de Baldur's Gate ficaram ótimos na telinha de 9.7 polegadas do iPad, apesar da resolução ser até superior à de um PC comum. Belas florestas, fortalezas sinistras, cidades apinhadas... com esse port do iPad, sinto hoje o mesmo encantamento de quinze anos atrás. O que é um feito considerável.
A noite cai sobre Baldur's Gate...
BGEE introduziu um recurso muito útil de zoom.
Na telinha do iPad, é difícil selecionar a resposta desejada. Dica: use uma stylus.
A questão do pathfinding, uma dor de cabeça no original, segue incólume aqui. "Pathfinding" é o algoritmo que indica a um personagem o caminho a seguir, entre obstáculos e atalhos, para ir do ponto A, onde ele se encontra, ao ponto B, indicado pelo jogador. No jogo original, era muito comum alguns membros da sua equipe serem bloqueados temporariamente por outros, e daí resolverem seguir rumos completamente inesperados. Muitas vezes indo na direção oposta à desejada. Na maior parte das vezes, isso era apenas um contratempo, pelas voltas indesejadas. Mas, em outras ocasiões, poderia levar a um completo desastre, com membros da equipe entrando inadvertidamente em áreas repletas de inimigos, ou disparando armadilhas que de outra forma seriam descobertas a tempo. Acredite, era um problema muito frustrante. Pois BGEE não apenas não resolveu esse embaraço, como parece tê-lo piorado. O que é incompreensível. No jogo original, o problema podia ser contornado aumentando o número de "nós de pesquisa" no arquivo de configuração. Isso, claro, provocava queda de performance, então nem todos podiam recorrer a tal alternativa. Mas hoje, cerca de 15 anos depois, potência não deveria mais ser um problema. A Overhaul podia decuplicar o número de nós de pesquisa sem que a performance sofresse grande impacto. Por que então o problema parece ter aumentado? Para piorar mais ainda, alguns membros da sua equipe (Imoen!) simplesmente param pelo meio do caminho e por lá ficam, exigindo constantes reconfirmações de ordem.
Imoen encontra uma armadilha. Mas ela podia parar de descansar pelo caminho.
Entangle é uma magia essencial. Mas transforma os combates em slow motion...
Ao que tudo indica, esse bug, apesar de grave, não deve ter solução simples, já que nenhum patch para isso foi lançado até agora, mesmo tendo se passado vários meses desde o último. Mas nenhum dos bugs que constatei até o momento é realmente impeditivo. Lamento mais certas omissões ou decisões erradas. Não é disponibilizada uma maneira simples para algo que deveria ser básico, como incluir um retrato personalizado para seu personagem. Não há uma forma fácil de trocar savegames com o PC. E o jornal está pior do que nunca, tornando-se um recurso quase inútil. Se tento rolar as entradas para visualizar uma mais antiga ou mais recente, a interface interrompe o processo e abre um editor, como se eu desejasse incluir algum texto. Já fiz de tudo, mas nada me permite fazer a consulta sem que isso ocorra. Também não foi incluída uma forma de identificar rapidamente uma determinada magia. No PC, bastava deixar o mouse sobre o feitiço para que um hint fosse exibido com o seu nome. No iPad, é preciso identificá-los unicamente pelos seus ícones, alguns muitos parecidos entre si. A única forma de contornar isso é abrir o livro de magias do personagem, localizar em que página o feitiço desejado está e daí pressionar o seu ícone por alguns segundos. Só então será exibida uma tela com um texto descritivo. Trabalhoso e desajeitado. Recomendo manter o manual do jogo acessível ou recorrer a esta app aqui.
Finalmente um recurso para ver todos os objetos clicáveis. Mas ele revela inimigos ocultos também.
A caminho de Baldur's Gate...
Se você possui um PC e deseja conhecer essa série histórica, e não tem saco para fazer complicadas configurações e instalações de MODs, e/ou deseja desfrutar das futuras expansões a serem lançadas pela Overhaul, vale investir em BGEE. Ainda mais agora que ele está aparecendo em promoções por aí. Caso contrário, fique com o jogo original mesmo, pois costuma estar bem mais em conta.
Se você possui um iPad (ou, mais para frente, um tablet Android), e gosta de RPGs old-school, recomendo MUITO a compra da versão BGEE para essa plataforma. Ela não é perfeita, é até irritante em alguns momentos, mas ainda assim vale cada centavo. Go for the eyes!
... e a terra tremerá uma vez mais sob os pés impiedosos de WASNER, o filho de ...
Por onde WASNER passa, apenas cadáveres permanecem. E o lamento de suas mulheres.
A tela de inventário.
Senhorita Rosa, com a faca, na sala de estar?
Neera é uma das novas personagens introduzidas por BGEE.
O aventureiro não vive apenas de belas florestas em Baldur's Gate.
UPDATE: por puro saudosismo, não pude evitar tirar meus velhos manuais da gaveta, para dar uma relembrada. Bons tempos... :)
Veja Também:
Uma análise muito precisa e ponderada.
ResponderExcluirSó há uma questão que eu acho que você poderia esclarecer melhor. Para quem nunca jogou a saga BG, e está chegando agora, será que vai haver maior dificuldade em matéria de lidar com regras e todo o sistema de jogo peganodo o original do GOG? Ou a versão aprimorada? E qual das duas possui mais bugs que comprometem o progresso?
Mudando de assunto, será que você poderia montar pra mim um PC assim para "brincar" por menos do que a Microsoft vai cobrar pelo Xbox One? http://anatomic-latex.com/archives/1197 Abraços. E ficamos no aguardo da terceira parte.
Thiago, se eu soubesse montar um PC desses, eu estaria mais escandalosamente rico do que a própria Microsoft! :)
ResponderExcluirEm termos de PC, diria que as duas versões mais ou menos se equivalentem, com algumas vantagens para o BGEE. Como o preço deste caiu bastante, eu iria de BGEE. Em termos de bugs, ele corrigiu os antigos, mas introduziu alguns novos. Mas os bugs introduzidos por ele tendem a ser corrigidos com o tempo, até porquê a engine será a mesma usada em BG2EE e, quiçá, até mesmo num possível BG3. Ou seja, à medida que eles forem desenvolvendo os novos jogos, as melhorias e correções devem ser liberadas também para o BGEE, sob a forma de patches.
Aliás, ia sair por estes dias um novo patch, provavelmente endereçando alguns dos problemas indicados neste post, mas, por uma triste coincidência com este artigo, a venda do BGEE foi suspensa ontem (19/06) por conta de um imbróglio contratual. Devo até fazer um update aqui hoje à noite sobre este assunto. Ainda assim, eu aguardaria a venda retonar ao normal e compraria BGEE -numa promo, bem entendido.
Sob a ótima dos jogadores mais novos, os dois jogos, original e BGEE, são muito semelhantes, com talvez um ou outro recurso introduzido pelo BGEE que facilita um pouco a vida do jogador, como a tecla para exibir itens clicáveis. A versão PC do BGEE também será mais fácil de lidar do que a do iPad, embora se perca a mobilidade e os gráficos mais bonitos (por conta de tela menor). O jornal do BGEE é problemático, mas desconfio que isso só ocorre na versão ipad, na versão PC ele deve estar OK.
BGEE podia ter introduzido uma série de melhorias de interface e jogabilidade, até incluindo alguns recursos opcionais para facilitar a vida de jogadores contemporâneos novatos, mas infelizmente não o fez, por falta de tempo, de dinheiro ou excesso de purismo. Mais sobre este assunto específico na terceita parte deste artigo!.
Abraços!
Boa análise, como sempre. A suspensão da venda do jogo é extremamente preocupante.
ResponderExcluir